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O Metro

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Marcelopvf's avatar
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Encontrei este bilhete em um vagão do metrô de São Paulo. A simples curiosidade do que poderia estar escrito naquele pedaço de papel me fez levantar de meu assento e apanhar o papel já amassado do chão. Sou supersticioso, mas prefiro acreditar que o texto que li era apenas o devaneio de uma alma pobre e doente. Estava escrito assim:

"Eu me chamo Eduardo e tenho 25 anos. Embarquei no metrô Armênia, à meia noite, com pressa para chegar à estação Saúde, onde moro. Como de costume, subi as escadas e peguei o último vagão, mas estranhei que estava vazio. Chamou-me a atenção uma risada no vagão da frente, como a de costume dos baderneiros. O metrô seguiu seu curso normalmente e eu coloquei os fones de ouvido. Como estava cansado, peguei no sono e só acordei mais tarde, na estação Vila Mariana.

"Acredito que esperei cinco minutos, mas a própria passagem do tempo é estranha agora. Como não houve qualquer anúncio da razão da parada do trem, e ainda era cedo para que se encerrassem as atividades, desci para tentar entender o que estava acontecendo. Não havia ninguém na estação além de mim. Andei então até o vagão seguinte e percebi que também estava vazio. O próximo estava no mesmo estado. O medo começava a me perturbar. Não era a minha estação, mas eu não estaria longe. A sensação de desolação passaria assim que eu saísse do metrô e visse a avenida cheia de carros.

"Subi as escadas apressadamente, apenas para dar de encontro com uma estação vazia. Não havia os seguranças de costume e nem os vendedores nas cabines. Sem qualquer alma viva a estação parecia menor. Tudo que eu via eram aquelas paredes feitas de concreto intercaladas por grandes placas de vidro. Corri para a direita, para um corredor comprido que me levaria à avenida. Encontrei uma bifurcação da qual não me lembrava, procurei placas onde não encontrei nenhuma, e, desesperado, corri novamente para a direita à procura de uma escada ou qualquer coisa que me levasse para cima. Não sei se perdi o sentido de direção, se rodopiei ou se algo mais aconteceu, só sei que no fim do corredor me deparei novamente com o saguão principal da estação Vila Mariana.

"Dei as costas e corri novamente pelo corredor. Desta vez virei à esquerda, apenas para me deparar, novamente, com aquelas catracas. Gritei por ajuda, por seguranças, por qualquer um, sem obter qualquer resposta senão o eco desesperador de minha própria voz. Tomei outro caminho que me levaria à saída do outro lado da avenida. Corri mordendo minha mão em desespero para provar que estava apenas tendo um pesadelo. Subi as escadas rolantes que deveria me levar à estação de ônibus. Se do piso onde estava eu pudesse ver onde eu sairia, acredito que tomaria melhor minhas decisões, mas as escadas são altas e eu só consigo ver aonde cheguei bem no momento em que chego. Sai novamente no saguão, só que do outro lado das catracas, como alguém que sobe da plataforma dos trilhos. Foi a primeira vez naquela noite que minha garganta se apertou e eu chorei.

"Eu me lembrei então do celular que carregava. Esta tentativa também foi infrutífera. A tela mostrava que eu não estava mais em minha área e sim em alguma cujo código de DDD era 01. As barrinhas que mostravam o sinal também não estavam lá, o que tornava impossível qualquer ligação. Com raiva, arremessei meu celular contra a parede. Senti vergonha depois, pensando no que outras pessoas pensariam de mim se vissem aquilo.

"Desci à plataforma do metrô. Ele ainda estava lá com todas as portas abertas e os vagões vazios. Fui até o primeiro onde fica a sala do motorista. Como eu esperava, não havia ninguém lá e a porta para a sala de máquinas estava fechada. Pulei a pequena cerca que fica no fim da estação e passei para dentro dos túneis. Caminhei por alguns minutos na meia luz até encontrar a próxima estação. Não havia trens na plataforma o que me trouxe alívio e esperança. Quando atravessei a pequena portinhola li em descrença o nome da estação. Subi para o saguão e encontrei novamente meu celular. A risada dos baderneiros voltava à minha mente como uma explicação horrenda para aquele fato. Era de mim que riam, porque em breve eu seria uma piada para algo ou alguém que não posso compreender.

"Corri por horas. Tentei todos os sentidos e direções, e muitas vezes ouvi o barulho dos metrôs sobre os trilhos, aquele barulho estridente e ensurdecedor. Mas era sempre longe e em outra estação. E não importava o quanto eu corresse por aqueles túneis, eu nunca os pegava a tempo. Era sempre a estação Vila Mariana, seu maldito saguão vazio e a risada de deboche. Encontrei a minha mochila que estava largada há muito tempo. Escrevo essa carta sem qualquer razão aparente, pois ninguém vai um dia lê-la. A altura do parapeito do saguão aos trilhos não é grande, mas eu preciso tentar."

A carta estava assinada por Eduardo Zimmes em 14 de agosto de 2004. O choque de ler meu próprio nome e sobrenome me fez acordar de meu estado de estupor e olhar em volta. Percebo então que não há mais ninguém no vagão, no meio do caminho até a estação Vila Mariana.
Texto novo, escrito em alguns minutos de inspiração.

Odeio não poder colocar acento no título!
© 2011 - 2024 Marcelopvf
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EllunaLeonhard's avatar
Muito bom!! Parabéns ^^"

Queria ler o "O Monólogo da Loucura", onde acho? =)